Semana passada, mais especificamente em 09/03/11 uma notícia trivial na televisão me chamou atenção. Um policial civil foi morto por outros policiais em Salvador. Existem rumores de que o policial estaria extorquindo alguém... Não prestei muita atenção. A truculência e corrupção da polícia não chegam a ser exatamente notícia, fazem parte do nosso cotidiano. Mas, uma coisa me chamou atenção, não lembro muito bem, mas acho que o presidente do sindicato dos policiais civis ao ser entrevistado manifestou sua indignação quanto ao crime proferindo palavras mais ou menos assim:
“Isso é um absurdo, se o policial estava envolvido em corrupção, isso se investiga, isso se pune, não é assim que se resolve, não é assim, pegar a pessoa desprevenida ao volante...”
Interessante, essas palavras foram proferidas com tanta ênfase, que parei para prestar atenção à notícia. Pensei que embora aparentemente trivial, esse fato bem que pode servir de tema a discussão. O policial morto foi vítima de um verdadeiro tribunal de exceção. Sim, aquele tribunal de exceção que aparece lá no inciso XXXVII do art. 5° da CRFB/88 e no qual ouvimos falar já no primeiro período do curso de Direito.
Confesso que demorei muito a compreender o que caracterizaria esse tribunal. Nos livros de Direito, encontramos o clássico exemplo do Tribunal de Nuremberg, aquele criado para julgar os nazistas por crimes de guerra. Foi um tribunal internacional criado em 1945 por britânicos, franceses, americanos e soviéticos, especificamente para julgar os nazistas. Muito embora seja inegável o cometimento de atrocidades durante o nazismo é certo que o julgamento contou com certa de dose de vingança.
Pois bem, admitindo-se o Tribunal de Nuremberg como exemplo de tribunal de exceção podemos tirar duas conclusões: O tribunal de exceção é aquele criado para julgamento de um caso específico e se submete a regras criadas após o cometimento do crime. Tal forma de “justiça” não é admitida no Direito Brasileiro exatamente em razão das referidas conclusões. No Brasil, assim como na maioria dos países, o infrator precisa ser julgado por um tribunal já existente por ocasião do crime, precisa ser julgado e condenado de acordo com leis preexistentes a sua infração. Isso é importante? É fundamental. Um tribunal criado com a finalidade de julgar um caso específico provavelmente será bastante parcial, abrindo a possibilidade de que arbitrariedades aconteçam. Ora, se a “lei” foi criada para um crime específico depois que ele foi cometido, tal crime será passível de qualquer pena, afinal, não se sujeita a regras preestabelecidas.
Nos dias atuais um exemplo interessante de tribunal de exceção pode ser encontrado nas favelas. O julgamento feito pelos traficantes que punem moradores ou dissidentes com torturas e mortes é realizado através de um tribunal de exceção.
O policial baiano não foi morto numa favela e o autor de sua execução também não foi um traficante de drogas, mas é certo que esse policial foi julgado e sentenciado sem qualquer direito de defesa. Foi julgado e sentenciado por um tribunal de exceção. Infelizmente, notícias como essa, são tão comuns em nosso cotidiano, que não paramos para analisar os fatos sob um ponto de vista crítico. Não sei por que razão, tal notícia corriqueira foi capaz de causar tamanha comoção, ou melhor, talvez o mais surpreendente disso tudo seja o fato de que notícias de execuções sumárias nos soem tão corriqueiras.
Excelente postagem Juliana. Gostei muito mesmo. E tenho aprendido muito.
ResponderExcluirEu não entendo com muita clareza o que é um Tribunal de Exceção, mas pela sua explicação, acho que entendi e me lembrei do caso do julgamento do Saddam Hussein, que me pareceu muito o modelo de julgamento que você descreveu. Estou certo?
Embora o cara fosse um monstro, o julgamento, tal como noticiado pela mídia, foi totalmente parcial e ele nem teve direito de defesa, além de ser punido em cadeia internacional, o que eu entendo como conduta muito forte e que serviu de exemplo para amedrontar. Ainda bem que não temos isso por aqui.
Parabéns de novo. Você faz com que pessoas leigas como eu se sintam à vontade lendo sobre direito, mesmo sem ter feito faculdade de direito.
Olá meu preclaro e dileto seguidor. Em primeiro lugar,gostaria de agradecê-lo publicamente as palavras de incentivo que já têm sido corriqueiras (rsrsr) nos seus comentários. É muito bom saber que nossos seguidores estão sempre antenados com as novas postagens, que afinal, são sempre informativas com vistas a assegurar nosso objetivo com a criação do blog.
ResponderExcluirNo mais, vou parabenizá-lo e esclarecê-lo quanto a alguns pontos da sua observação. A sua compração com o julgamento de Saddam Hussein foi quase perfeita. Realmente, Saddam foi julgado por um Tribunal de Exceção. De que forma? Bem, ele foi julgado pelo Tribunal Especial Iraquiano criado em 2003 quando as forças americanas ocuparam o Iraque. Esse "Tribunal" foi organizado pelo próprio governo dos Estados Unidos, o que por si só, já evidencia, não se tratar de um tribunal completamente imparcial. Além disso, existem relatos de que quatro advogados de Saddam foram assassinados e um dos juízes precisou ser substituído. É óbvio que o Tribunal Especial Iraquiano teve como principal, para não dizer, único objetivo, legitimar a execução de Saddan. Por certo, o ditador teria tido julgamento mais justo, do ponto de vista técnico, ressalto, se fosse julgado por um TRibunal Penal Internacional formado por juízes de diferentes nacionalidades.
Contudo, vou apenas pontuar, que segundo seu comentário, me parece que vc entendeu que o que caracteriza o Tribunal de Exceção é apenas a ausência de defesa, mas, em verdade, o que caracteriza o tribunal de exceção é principalmente, a sua criação para o julgamento de um caso específico. No nosso direito, isso não é permitido, nossos tribunais são constituídos de acordo com a legislação vigente, ou seja, o mesmo tribunal que julga o fulano por roubo, julgará o sicrano por assassinato e assim por diante.
Espero ter esclarecido, se é que existiu alguma dúvida.
Obrigada e por favor continue contribuindo!
MUITO BOM TAL ARTIGO, EDUCATIVO E EXPLICATIVO. COMO BOM CRÍTICO AO SISTEMA ATUAL EM QUE DIREITOS SÃO MASSACRADOS E A CARTA MAGNA IGNORADA, CONCORDO COM A JULIANA QUANTO AOS TRIBUNAIS DE EXCEÇÃO E SUA ARBITRARIEDADE, MAS EXISTEM TRIBUNAIS LEGAIS QUE EXECUTAM IGUALMENTE AOS DE EXCEÇÃO, "MATANDO" AOS POUCOS AS EXPECTATIVAS E DIREITOS DO POVO - SENTENÇAS MÓDICAS E IRRISÓRIAS; APOSENTADOS SOLAPADOS POR MECANISMOS QUE AVILTAM A LEI QUANTO À CORREÇÃO, ETC. TAIS TRIBUNAIS, POR ANALOGIA, SÃO DE EXCEÇÃO, POIS APESAR DE LEGAIS, NEGAM A LEI E BENEFICIAM OS INFRATORES, QUASE SEMPRE EMPRESAS E GOVERNO. ALGUÉM DUVIDA? É TRISTE VIVENCIAR O DIA-A-DIA DAS LEIS QUE SÃO MENOSPREZADAS PELO PODER EXECUTIVO E JUDICIÁRIO AOS SEUS ALVEDRIOS...
ResponderExcluirA vedação aos chamados Tribunais de exceções é um importante direito fundamental, já que este modelo não coaduna com o nosso Estado Democrático de Direito.
ResponderExcluirEmbora esta vedação esteja, expressa e inquestionavelmente, inserida no rol de direitos e garantias fundamentais, infelizmente nos deparamos com grupos armados que vendem uma aparente segurança à sociedade e chamam para si, o poder de julgar e condenar àqueles que não estão sob o seu manto de proteção. São julgamentos, onde se recorrem à inúmeras atrocidades, torturas físicas e psicológicas e acabam por desaguar na cruel pena de morte.
É muito triste que, em pleno século XXI, venhamos nos deparar com este tipo de tribunal de exceção, que acaba por intimidar as pessoas que vivem sob seu jugo a buscar a proteção do Tribunal investido da verdadeira jurisdição.
Parabéns pela maravilhosa postagem.
Muito obrigada pela contribuição Priscila. Realmente, acho que vc está falando a respeito de um Tribunal de Exceção muito conheciddo. As famosas milícias...Adorei, vcs estão encontrando vários exemplos de tribunal de exceção a partir de notícias de televisão.
ResponderExcluir.
A Prof. Juliana Guerra, além de excelente advogada e professora de direito processual civil, é uma mulher de uma sensibilidade refinada e acurada. Suas observações e reflexões, além de pertinentes, nos faz navegar levamente pela mar, as vezes inóspitos do direito e da literatura clássica, contribuindo não só para nosso aprimoramento como ser humano como também como cidadão.
ResponderExcluirAlém de todas estas qualidades, a Professora Juliana Guerra é o meu amor! Minha namorada, minha companheira, minha amiga e mulher! Me ensina muito com a sua sensibilidade literária e senso crítico. Te amo Professora!
Muito obrigada professor. Seu apoio e incentivo contribuem para minha inspiração todos os dias. No mais, saiba que a recíproca é completamente verdadeira.
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ResponderExcluirOlá, gostei muito dessa postagem. Sua autora está de parabéns.
ResponderExcluirGostaria de fazer uma pergunta: um tribunal que não seja criado após o fato, mas que não respeite determinadas garantias, como irretroatividade da lei penal menos benéfica, vedação do "bis in idem" e prescrição não é na prática um tribunal de exceção? A vedação da retroatividade da lei penal menos benéfica é uma das maiores características desses tribunais, já que eles se utilizam de leis criadas posteriormente ao fato julgado. Desse modo, um tribunal com essas características, quando as utiliza, não acaba sendo de exceção?
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ResponderExcluirJuliana,
ResponderExcluirMoro em Salvador. O fato é controverso: há versões e versões...
Apesar do alerta (que considerei importante), a substância do artigo é irretocável.