Olá queridos amigos e visitantes blogueiros....ontem compartilhei com vocês uma experiência interessante a respeito da minha convicção de que sentença é questão de sentimento. Pois bem, um dos meus seguidores, postou um comentário com a seguinte afirmativa “Se o teatro for bem feito e combinado, as chances serão melhores do que a mediocridade que impera pelos tribunais...”
Não discordo que algumas audiências de fato, poderiam ser assim consideradas, como verdadeiros teatros. Mas, preciso esclarecer que não me referi a encenações, muito pelo contrário, me referi a lesões reais que muitas vezes não são de fácil comprovação e infelizmente ou felizmente, o que nos faz ganhar ou perder um processo são as provas que conseguimos produzir.
Quanto melhor o autor comprovar o fato constitutivo de seu direito, maiores serão suas chances de ganhar. Por outro lado, quanto melhor o réu comprovar fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito do autor melhores serão as suas chances de escapar à condenação. Contudo, é comum nos depararmos com casos em que o cliente realmente sofreu uma lesão, mas suas provas são frágeis. É nesse tipo de situação que a sensibilidade do julgador, ao analisar os fatos, ou no momento da colheita de prova oral, pode fazer toda a diferença.
Para ilustrar, posso mencionar um processo no qual fui surpreendida com uma sentença de extinção sem julgamento de mérito por ilegitimidade passiva. Vamos compartilhar?
Determinada senhora procurou uma agência de carros e comprou um veículo. No momento de assinar os papéis, assinou todos os documentos que lhe foram apresentados, como normalmente faz o consumidor leigo no afã de fechar o negócio: assina papéis e mais papéis sem ler ou compreender.
Pois bem, passados alguns meses, esse carro apresentou uma série de defeitos que levaram a autora a buscar os reparos junto a agência por força da garantia legal de 3 meses para veículos usados. Pasmem, a agência ao ser contatada, alegou que não arcaria com conserto nenhum, pois num dos papéis assinados a cliente declarava expressamente ter conhecimento de que a venda fora realizada apenas entre ela e o antigo proprietário.
Sim, nos documentos assinados pela autora a agência figurava na negociação como mera intermediária, posto que o veículo somente estava exposto em suas dependências como um favor prestado ao antigo proprietário, amigo do dono da loja. A justificativa da agência foi exatamente essa, no sentido de que a cliente deveria se entender com o antigo proprietário, pois o carro comprado não pertencia a sua frota, somente estava no local como um favor!!
Ora, é óbvio que a consumidora não se conformou com essa alegação e buscou a justiça pleiteando a rescisão do contrato mediante a entrega do veículo ao banco responsável pelo financiamento (ainda tinha esse agravante, o carro era financiado e sendo financiado pelo leasing passa a pertencer ao banco, o que dificulta ainda mais sua devolução), o ressarcimento dos valores despendidos no conserto, bem como a reparação do dano moral. (Ação movida em face da agência e do banco)
Regularmente citado, o banco ofereceu de imediato uma proposta de acordo aceitando a devolução do veículo e a rescisão do contrato de financiamento. Quanto a agência, a quem caberia ressarcir os consertos e arcar com os danos morais...Pasmem queridos, em contestação a agência alegou exatamente a mesma desculpa esdrúxula, ou seja, que não teria o dever de indenizar, pois um dos documentos assinados pela autora evidenciavam que ela sabia perfeitamente estar adquirindo o veículo de um terceiro.
Pois bem, a pior parte: a juíza da 2 vara cível de Santa Cruz, aceitou a alegação e extinguiu o processo em relação a agência por ilegitimidade passiva, entendendo que a autora deveria processar o antigo proprietário.
Como vocês podem imaginar, quase caímos de nossas respectivas cadeiras!!! E a teoria da aparência???? A autora comprou o carro numa agência!!!! Ora, se comprou o carro numa agência é porque pretendia se beneficiar das garantias que a compra de um bem através de uma empresa podem assegurar. E mais, será que a juíza realmente acreditou que a agência intermediaria a venda sem ganhar nada por isso? Ora, se ganhou para vender é claro que tem responsabilidade pelos danos.
Mas tudo bem, recorremos alegando má valoração da prova (docs. acostados pelo réu, que o eximiam de responsabilidade) pleiteando não apenas a reforma da sentença, mas também o próprio julgamento de mérito, por força da teria da causa madura. Com efeito, se o processo estava pronto para ser julgado, com todas as provas já produzidas, não haveria necessidade que o Tribunal, ao reformar a sentença de extinção sem julgamento de mérito, determinasse o retorno dos autos à 1 instância para que nossa juíza pudesse enfim julgar o mérito.
Felizmente, a sentença foi reformada e como requerido, o próprio mérito foi julgado pelo Tribunal e conseguimos a procedência de nossos pedidos. E o mais interessante: Em sua fundamentação a relatora considerou “que não seria crível que uma agência fosse intermediar uma venda sem nada receber”. A relatora considerou ainda que a agência tomou tantas providências no sentido de se eximir da responsabilidade que acabou por comprovar ter participado da venda e se participou, assumiu o risco de arcar com os prejuízos.
Ufa, que alívio! Ainda bem que existe recurso, aliás, ainda bem que podemos (às vezes) contar com julgadores de bom senso, que não se limitam a proferir decisões tão somente com base nas frágeis provas produzidas num processo e vão além, se utilizando de sua própria experiência de vida para proferir decisões justas.
Perceberam? Tecnicamente, a juíza de primeira instância não errou, o réu comprovou ilegitimidade passiva e ela acolheu. Mas, convenhamos, para ser um bom juiz é preciso um pouco mais do que técnica, é preciso principalmente, bom senso.
Salve o recurso! Salve o bom senso! E na falta desses dois, recorramos à Doutora Guerra, que faz esse excelente trabalho para nos esclarecer.
ResponderExcluirA ingenuidade de advogados impera no mercado. A maioria acredita que a lei será seguida pelos tribunais e adotam postura técnica, esquecendo que os juízes em sua maioria são profissionais despreparados quanto à humanidade e bom senso, julgando conforme orientações dos tribunais, rasgando o ordenamento pátrio. Se o advogado não utilizar outros recursos como o teatro para convencimento do magistrado, precisará de sorte, pois a competencia somente não basta. Foi-se o tempo em que os tribunais tutelavam o direito da parte prejudicada. Hoje o que conta é a venalidade e o tráfico de influência. Quem discorda que continue no mundo do faz-de-conta. Independente disso, parabéns pelo artigo Dra...
ResponderExcluirCerto é que nas relações complexas em sociedade, existem critérios de tolerância, que não ferem o bom senso e a razoabilidade, e estes devem ser observados, sob pena de se instalar na sociedade, conflitos que culminam por fomentar disputas desagregadoras absolutamente desnecessárias...
ResponderExcluirPelas regras de experiência comum, deve o julgador, imbuído de prudência e bom senso, considerando sempre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade proferir na sua tarefa e no exame de cada caso concreto, o seu bom senso prático, a justa medida das causas...
Fico feliz que a Nobre Amiga Julia, tenha atentado a tempo pelas peculiaridades do caso concreto, e obtido mais um êxito processual na sua promissora vida profissional!
Seu compartilhar de experiências, ideias enriquecem essa reciprocidade ..traz à tona prática das falhas "in casu", em razão da negativa do problema, a falta de critérios (somente técnicos)nos procedimentos; desdobrando o processo em circunstâncias desgastantes (recursos) desnecessariamente.
Parabéns Nobre Amiga!!!
Sucesso!! ;)