Saudações amigos blogueiros! Primeiramente gostaria de agradecer as contribuições e comentários a respeito da postagem “TRIBUNAL DE EXCEÇÃO X EXECUÇÕES SUMÁRIAS”. A repercussão foi bastante positiva.
Muito bem, nas últimas postagens nós falamos a respeito de ditadura a partir da obra de Graciliano Ramos que em Memórias do Cácere, nos retratou o Brasil de 1936 sob a ditadura do governo Vargas. O artigo teve menos repercussão do que merecia, mas acreditem, se temos visto que é possível aprender Direito a partir da Literatura Clássica, muito mais será, aprender História e não esqueçam que o tema Tribunais de Exceção tem tudo a ver com ditadura.
O que acontece num país em época em de ditadura? O que acontece com os direitos e garantias individuais? No caso do Brasil de 1936, vimos que houve a decretação do Estado de Sítio, no qual certas garantias constitucionais ficam suspensas, o que mesmo assim, não permite ao Estado atentar contra a vida e integridade física dos cidadãos como o foi o caso de nossa ditadura, como, aliás, acaba sendo o caso de qualquer ditadura.
Hoje gostaria de continuar aprofundando esse tema a partir de um comentário muito sagaz postado por um dos seguidores do blog. Vejam, recebi uma mensagem indagando se o julgamento de Saddam Hussein se enquadraria numa hipótese de Tribunal de Exceção. Confesso que eu mesma não lembrava desse caso como exemplo, mas, através de uma pesquisa, ainda que superficial, nós vemos perfeitamente que Saddam Hussein foi julgado por um Tribunal arbitrário. É interessante a questão, parece ironia que o ditador tenha tido o mesmo julgamento duvidoso que durante tantos anos de ditadura impôs ao povo.
Na verdade, o referido ditador foi julgado por um Tribunal Especial Iraquiano pouco após a invasão dos Estados Unidos. Ora, ora, um Tribunal Iraquiano sob o domínio americano teria isenção para julgar Saddam Hussein pelo cometimento de crimes de guerra?
Em primeiro lugar, é preciso atentar para a fragilidade do judiciário iraquiano depois de tantos anos de desmandos e arbitrariedades do governo. Depois, precisamos atentar para o fato de que julgadores iraquianos, dependendo de sua posição favorável ou desfavorável à postura do ditador, provavelmente seriam tendenciosos. E por fim, precisamos considerar ainda o fato de que o julgamento fora encomendado pelos Estados Unidos, cujo objetivo não era outro, senão, legitimar a execução do ditador por motivos inúmeros.
A QUESTÃO DO TRIBUNAL DE EXCEÇÃO NO PANORAMA MUNDIAL ATUAL – JULGAMENTO DE SADDAM HUSSEIM X JULGAMENTO DE MUAMAR KADAFI
Dêem uma olhada nessa notícia:
O Conselho de Segurança da ONU, presidido pela brasileira Maria Luiza Viotti, decidiu por unanimidade congelar os bens de Muamar Kadafi e de cinco integrantes da família do ditador líbio, assim como impor barreiras à viagens internacionais do ditador, de nove integrantes da família e de seis pessoas próximas ao governo. Foi aprovado ainda um embargo às armas e enquadrar as ações do governo no Tribunal de Haia.
Kadafi e Saddam tem em comum o fato de terem seus governos marcados pela ditadura fortemente opressiva. Haverá alguma semelhança na punição imposta a ambos? Tendo em vista que as notícias a respeito dos atos do governo libanês tem chocado tanto a comunidade internacional, por que não liderar uma invasão no país como ocorreu com o Iraque?? Alguém se faz essas perguntas?
QUESTÃO DE SOBERANIA
A situação dos referidos países (Iraque e Líbia) é bem diferente. O Iraque vivia sob uma ditadura, mas o simples fato de o país viver sob tal regime não justifica a intervenção de nenhum país estrangeiro em respeito ao princípio da soberania, em razão do que, os Estados Unidos precisavam de alguma justificativa que “legitimasse” uma intervenção. De acordo com as diretrizes da ONU a intervenção armada nos países somente se justifica em casos nos quais esteja em risco a segurança e paz mundial, e que melhor justificativa do que a suspeita de produção de armas nucleares?
Hoje, a situação de caos enfrentada pela Líbia se deve a um conflito interno, o que chamamos de guerra civil, grosso modo, quando um grupo de esquerda dentro do próprio país se opõe violentamente ao governo e se inicia uma série de combates armados para o domínio da nação. Uma situação assim descrita, não autoriza a intervenção direta de outros países, contudo, a truculência com a qual Muamar Kadafi vem tratando os opositores a seu governo tem causado tamanha indignação na comunidade internacional, que embora não haja justificativa para uma intervenção armada direta na Líbia, os países tem se reunido para adotar medidas que indiretamente limitem as ações do ditador.
Dentre as sanções impostas a Muamar Kadafi se encontra a determinação do bloqueio de seus bens. Segundo notícias, Muamar é detentor de vasto patrimônio em diversos países, dentre os quais a Espanha, que já declarou a indisponibilidade dos bens do ditador que se encontrem sob território espanhol.
TRIBUNAL DE HAIA – A QUESTÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NA PUNIÇÃO DE CRIMES CONTRA A HUMANIDADE
A notícia em comento termina com uma informação bastante interessante. O que significa “Enquadrar as ações do governo no Tribunal de Haia”? Muitos talvez não saibam que em 1998 foi criado o Tribunal Penal Internacional, cuja sede se encontra em Haia, na Holanda. Comentamos em outras postagens a respeito do Tribunal de Nuremberg, criado com o objetivo único de julgar os nazistas pelos crimes de guerra e vimos que se caracterizou como verdadeiro Tribunal de Exceção. Comentamos a respeito do julgamento de Saddam Hussein, cuja legalidade foi obviamente duvidosa e agora passamos a comentar o Tribunal Penal Internacional.
A necessidade de conferir alguma espécie de punição aos infratores das normas é um sentimento intrínseco ao ser humano. Quem já não se revoltou ao ouvir histórias de impunidade por um crime cometido na própria cidade, no próprio bairro, na própria família? Pois bem, tal necessidade de punição não deve se restringir apenas a determinadas hipóteses. É preciso que criminosos com poder muito maior de destruição do que os ladrões, assaltantes, traficantes, como é o caso de governantes, também possam ser punidos.
O Tribunal de Haia vem fazer exatamente esse papel, é a primeira instituição permanente criada por amplo acordo internacional para não deixar impunes os perpetradores de crimes contra a humanidade, como o genocídio, crimes de guerra, agressão, perseguições por motivo de etnia ou religião, dentre outros. Sua competência é limitada a países que ratificaram o Tratado de Roma (documento que deu origem ao Tribunal). Os Estados Unidos, não ratificaram o Tratado. Por que será?? Temeriam os americanos um julgamento por possíveis crimes de guerra?
A Líbia não é signatária do Tratado de Roma, mesmo assim, Muamar Kadafi poderá ser julgado pelo Tribunal de Haia caso a questão seja levada ao Tribunal pelo Conselho de Segurança da ONU. Essa é exatamente a questão retratada na notícia. Uma vez levado o caso ao Tribunal Penal Internacional, os responsáveis pelos excessos cometidos na Líbia já podem imaginar que não será tão fácil se esquivar de pagar pelas atrocidades que vem cometendo.
Quais seriam as leis aplicáveis pelo TPI? Em princípio, o agente deve ser julgado em seu próprio país, ou seja, um genocida brasileiro, por exemplo, deverá ser julgado no Brasil e de acordo com as leis brasileiras. Contudo, quando não houver empenho do Brasil em puni-lo ou quando for impossível tal punição pelo país, poderá ser requisitado o julgamento do criminoso pelo Tribunal Penal Internacional e nesse caso prevalecerão as leis internacionais. É o que chamamos de princípio da complementaridade, ou seja, o indivíduo só é julgado pelo TPI quando seu próprio país não tiver interesse ou não puder puni-lo. O artigo 77 do Tratado de Roma define as penas aplicáveis aos crimes descritos no artigo 5° do mesmo estatuto, dentre as quais, se encontra a prisão perpétua.
Como o TPI é provocado? Pela denúncia de algum dos países membro (lembrando que o TPI, em regra, só julga criminosos oriundos de países membros) ou por denúncia do Conselho de Segurança da ONU, hipótese em que poderá julgar quaisquer criminosos, ainda que não oriundos de países signatários. (Caso da Líbia)
Os acusados tem direito à defesa através de advogados, pois o TPI conta com uma lista de advogados credenciados que podem assisti-los, ressalvando seu direito de apresentar seus próprios patronos.
Pois bem, com base em todas as informações que já temos é possível discutir. As ações do governo da Líbia uma vez levadas ao Tribunal de Haia, não conferirão a seu responsável o mesmo julgamento dispensado a Saddam. Por certo, um Tribunal cuja criação não se deu para o julgamento de um caso específico e que submete seus jurisdicionados a leis preestabelecidas e com amplo direito de defesa, merece ser legitimamente reconhecido, não se assemelha a um Tribunal de Exceção nos moldes do que temos comentado nos últimos dias.
Bom, por hoje, vamos encerrar lembrando que é muito importante acurarmos cada vez mais o senso crítico diante de tudo o que nos é passado e se possível, por que não tentar apreender noções básicas sobre Direito a partir do cotidiano? Antes de tudo, devemos lembrar que senso crítico e a busca por conhecimento pode ser questão também de cidadania.