quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Menina é contaminada por HIV ao tratar leucemia

Vírus foi adquirido após uma transfusão de sangue; a criança morreu. Indenização foi fixada em R$ 327 mil
Fonte | TJSC - Quarta Feira, 28 de Setembro de 2011
A 2ª Câmara de Direito Civil do TJ condenou a Associação Hospitalar de Proteção à Infância Doutor Raul Carneiro - Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba/PR, ao pagamento de R$ 327 mil aos pais de uma criança contaminada pelo vírus HIV, causador da síndrome da imunodeficiência adquirida, após transfusão de sangue realizada naquela instituição.
A menina fez tratamento na instituição no período de 1993 a 1999, para tratar-se de uma leucemia linfática aguda. A contaminação foi constatada no ano de 2000, e a criança morreu em 2003. O hospital também foi condenado por litigância de má-fé ao protelar a tramitação do processo, e pagará mais 15% sobre o valor da causa. Por fim, bancará ainda multa por descumprir a determinação judicial de pagar pensão à menina.
O recurso do hospital contra a decisão da comarca de São Bento do Sul, onde tramitou a ação, foi parcialmente provido pelo TJ apenas para reduzir o valor da indenização, arbitrado na origem em R$ 2 milhões aos pais da criança.
Instituição, em defesa, apontou responsabilidade do Banco de Sangue do PR
  O Hospital Pequeno Príncipe, em seu recurso, alegou não ter sido responsável pela contaminação, e ressaltou que a criança passara por atendimento em outras duas unidades de saúde no ano de 2000, quando a mãe soube que a menina era portadora do vírus. Acrescentou que a responsabilidade pelo sangue e derivados aplicados na paciente é do Banco de Sangue Público do Estado do Paraná, que faz as coletas e examina os doadores.
Para o desembargador substituto Gilberto Gomes de Oliveira, relator do apelo, o hospital tem o dever de fiscalizar os atos daqueles que lhe prestam serviços direta ou indiretamente, já que podem resultar em sérios danos ao paciente. Ele observou, ainda, que as duas únicas internações anteriores ao diagnóstico do HIV aconteceram em junho, agosto e setembro de 2000, sem evidências de transfusão de sangue ou derivados.
“Este julgador, como pai, sabe que a perda de um filho representa a maior dor que o ser humano pode suportar. Não é diferente quando se recebe a notícia de que um dos seus descendentes foi contaminado pelo vírus HIV. Nenhum valor, a qualquer título, portanto, restabelecerá o status quo ante, tampouco amenizará tamanho sofrimento e pesar”, assinalou o desembargador.
Câmara julgou que hospital agiu de má-fé ao interpor recursos em excesso
A 2ª Câmara de Direito Civil do TJ confirmou a condenação do hospital por litigância de má-fé, de forma unânime. A instituição alegou cerceamento de defesa, argumento não aceito pelo relator, desembargador substituto Gilberto Gomes de Oliveira. Ele destacou que foram possibilitadas às partes as manifestações e comprovações requeridas, em um processo que alcançou 13 volumes.
O magistrado anotou que, a partir de abril de 2003, o Pequeno Príncipe protocolou, em idêntico sentido, quatro recursos de agravo retido, além de várias petições, arrastando o processo até setembro de 2010. A sentença foi prolatada em outubro de 2010. No relato, Oliveira interpretou esses recursos como tentativas do hospital de não pagar a pensão mensal concedida em liminar à autora, a qual tinha o objetivo de resguardar a vida da menor com um bom tratamento médico.
“[...] Porém, nenhuma delas estava calçada em argumentos hábeis ou justificativas de direito plausíveis. Passaram-se, então, longos anos em batalha processual, e a pequenina autora faleceu no curso de todo este entrave […] não é triste?”, interrogou o desembargador. No julgamento, a Câmara apenas delimitou o pagamento da multa por descumprimento em sete salários mínimos mensais, no período de 30 de julho de 2002, data da intimação pessoal do hospital da liminar, até a data do óbito da menina, em 22 de março de 2003.
Ap. Cív. n. 2011.015.680-6 e 2008.069819-1
Jornal Jurid


quinta-feira, 2 de junho de 2011

RESPONSABILIDADE CIVIL DE HOSPITAL POR ERRO MÉDICO

Mulher vai fazer endoscopia e sai de hospital sem braço direito
Vítima teve trombose após injeção em SP e pede R$ 1 milhão em ação
Em 2009, uma vendedora do interior do estado de São Paulo entrou num hospital filantrópico da capital paulista para fazer um exame gastrointestinal, mas saiu de lá sem parte do braço depois de tomar uma injeção no pulso direito. A mulher se queixou de dores na região durante todo o dia 27 de abril daquele ano. Na manhã seguinte, seu membro não tinha mais circulação sanguínea. Foi constatada trombose no local e, após vários tratamentos sem solução, não restou outra alternativa aos médicos: eles amputaram o antebraço da paciente em 7 de maio.
Até sexta-feira (26) o Hospital Santa Marcelina, em Itaquera, na Zona Leste, não sabia explicar a Rosely Viviani, de 48 anos, como foi possível ela ter se internado para uma endoscopia (exame que introduz cânula com câmera pela boca do paciente para se verificar doenças gastrointestinais) e dez dias depois ter um membro aparentemente saudável retirado.
Rosely só havia ido ao Santa Marcelina porque semanas antes teve diagnosticado câncer no útero e ovário e precisava fazer a endoscopia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para saber se tinha mais tumores em outros órgãos - o que não se comprovou. “Entrei no hospital com o meu braço e saí de lá sem ele. E até hoje ninguém me disse o que ocorreu”, disse a mulher, em entrevista ao G1 concedida em sua casa em Cerquilho, no interior de São Paulo. Ela é separada e mora com o filho André Luiz, de 11 anos. “Me disseram que tiveram de amputar do cotovelo para baixo senão eu ia morrer. Era meu braço ou minha vida.”
Em busca de respostas, uma comissão interna do próprio hospital e uma sindicância do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) apuram o caso de Rosely para saber se houve erro médico. Existe a suspeita de que uma enfermeira tenha aplicado o sedativo para a realização da endoscopia na artéria em vez da veia. O remédio foi dado por meio de uma agulha, que já havia sido introduzida no pulso da paciente para ministrar outros medicamentos.
“Ela aplicou a injeção na artéria e não na veia. Fora isso, demoraram para ouvir meus pedidos de que eu estava com dor e havia algo errado. Passei mais de um dia com o braço dolorido”, lembrou Rosely.
Hospital e Cremesp também deverão verificar se ocorreu demora no atendimento de Rosely. A vítima se queixou que logo que tomou Diazepan no braço se queixou de dores, mas só foi socorrida 26 horas depois. “Eu chorava de dor, mas ninguém me atendia. Aí já era tarde. Não havia mais circulação sanguínea no braço. As pontinhas dos dedos começaram a ficar pretas, depois começou a escurecer na altura do pulso”, afirmou a mulher.
Caso haja comprovação de algum tipo de erro por parte do hospital, os médicos poderão ser punidos com suspensão administrativa pelo hospital ou até ter a licença para exercer a profissão cassada pelo Cremesp. Como o caso envolve uma enfermeira, o Conselho Regional de Enfermagem (Coren) em São Paulo também foi procurado pelo G1 para comentar se apurava a denúncia. A assessoria de imprensa do conselho informou que não havia registro sobre o caso.
A outra hipótese que é apurada pelo Santa Marcelina e Conselho de Medicina é que o próprio organismo da mulher tenha reagido de forma inesperada a algum remédio. Se for constatada essa possibilidade, a equipe médica hospitalar é inocentada.
Questionados sobre as apurações, hospital e Cremesp alegam que não podem dar detalhes antes das conclusões.
Procurada para comentar o assunto, a diretoria médica do Hospital Santa Marcelina informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “o caso referente à paciente Rosely Viviani está com a comissão de ética médica". "A comissão está apurando minuciosamente o ocorrido para verificar se houve erro médico ou não.”
Apesar disso, a equipe de reportagem obteve documentos do Santa Marcelina que confirmam que o braço de Rosely só passou a apresentar problemas após a injeção que tomou. “(...) a paciente, após punção [aplicação da injeção], evoluiu com obstrução arterial aguda de MSD [membro superior direito]. Foi submetida à trombolectomia e heparinização plena, sem sucesso. Ontem foi submetida à amputação de antebraço direito”, escreveu uma ginecologista do hospital no parecer médico de 2009.
Outro relatório do Santa Marcelina daquele mesmo ano sugere duas causas possíveis para explicar essa “obstrução arterial” que originou a amputação do membro: a injeção ou um fato surpreendente. “Sugeriu a solicitação de parecer para cirurgia vascular aventando a hipótese de Fenômeno de Raynaud ou punção arterial inadvertida”, escreveu um médico.
Especialista e Associação das Vítimas de Erros Médicos
Segundo o médico Marcos Arêas Marques, membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), uma “punção arterial inadvertida” pode causar isquemia (falta de circulação sanguínea) e até necrose dos membros do paciente, sendo necessária a amputação.
“A punção arterial é qualquer tentativa de pegar a artéria em vez da veia. Teoricamente é um erro que não deve acontecer”, disse o angiologista Arêas Marques, que estuda as doenças das veias e artérias.
Segundo o especialista, o Fenômeno de Raynaud é um espasmo involuntário das artérias das mãos e pode ter origem no próprio organismo humano ou ser causado por um fator externo, como uma injeção aplicada de forma errada.
“Esse vaso espasmo exagerado é percebido quando alguém coloca a mão na água fria e ela fica roxa. As extremidades ficam azuladas. Mas ele pode ser secundário a um trauma também. Por exemplo, uma punção inadvertida com medicação na artéria que era para ser feita na veia. A artéria leva sangue para a extremidade e caso seja aplicado algo nela, pode causar isquemia, falta de sangue, dor na mão e até a perda do membro”, disse Arêas Marques.
Ainda de acordo com o angiologista é comum a aplicação de Diazepan em pacientes antes de endoscopias. “Esse remédio tem o efeito de sedativo porque deixa a pessoa calma para que o procedimento seja mais confortável para o paciente. Mas ele tem de ser aplicado na veia e não na artéria”, afirmou Arêas Marques. “Se injetar remédio endovenoso em artéria pode ter problema, como a Iatrogenia, que é uma complicação adversa de um procedimento.”
“No meu entender ocorreu uma série de equívocos, que caracteriza má prestação de serviço, onde através de uma ação ordinária indenizatória, a vítima deverá ser ressarcida por danos morais, danos estéticos, pensão alimentícia pela incapacidade parcial etc. Houve uma grande demora para que houvesse socorro, 26 horas”, diz Célia Destri, presidente da Associação das Vítimas de Erros Médicos (Averme).

Ação indenizatória

Quase um ano depois da amputação, Rosely registrou queixa na Polícia Civil contra o Hospital Santa Marcelina, mas nenhuma investigação foi feita para apurar o que ocorreu com ela. “A declarante foi orientada a instruir ação civil, já que o prazo decadencial de seis meses para oferecer representação pela lesão corporal que sofreu expirou-se”, escreveu uma delegada num boletim feito na capital.
Sem dinheiro para pagar um advogado, Rosely procurou a Defensoria Pública, que entrou na Justiça com uma ação indenizatória por danos morais e materiais em favor da vítima cobrando R$ 1,2 milhão do hospital e do Governo de São Paulo. A Defensoria entende que ocorreram falhas no procedimento médico e demora no atendimento à paciente.
“Houve erro médico porque há indicativos nas provas obtidas de que houve falha e demora no atendimento e procedimento de aplicação. Essa ação de indenização proposta pela Defensoria visa ressarcir a vítima pelos prejuízos sofridos. Ela teve danos materiais e morais”, disse a defensora Renata Flores Tibyriçá, coordenadora da unidade da Fazenda Pública na capital paulista.
De acordo com a defensora, a ação também é contra o Estado porque, segundo ela, todo paciente com câncer atendido pelo SUS precisa de atendimento médico de alta complexidade e isso é responsabilidade do governo.
“Uma pessoa entra para fazer tratamento de câncer e sai sem braço? Isso é um absurdo”, disse Renata Tibyriçá, que pede uma prótese de mão e antebraço, além de um carro adaptado e uma pensão para o filho dela, caso Rosely venha a morrer. A mulher ainda realiza quimioterapia para conter o avanço do câncer. Ela já passou por cirurgia para retirar útero e ovários.
“Continuo fazendo quimioterapia, mas tenho certeza de que o que ocorreu com o meu braço não teve a ver com a doença. Eu não tive câncer no braço, era no útero e ovários”, disse Rosely, que deixou de trabalhar por conta da deficiência. Ela usava o carro, um Gol ano 1995, para comercializar roupas, mas, sem poder dirigir, vendeu o veículo por R$ 7 mil em dezembro de 2010. O dinheiro está servindo para pagar algumas parcelas das mensalidades da faculdade de pedagogia, que decidiu fazer após a amputação. Antes, ela cursava letras, mas desistiu ao entrar em depressão por conta da perda do membro.
Atualmente, ela recebe um salário mínimo por mês de um plano do Governo federal. “É um auxílio doença”, disse a mulher, que improvisou uma tipoia azul, daquelas usadas para apoiar um braço quebrado, no membro amputado. “Eu uso para esconder o dano que me causaram. Tenho vergonha de mim. Tenho vergonha de sair na rua. Ainda não superei o trauma.”
Rosely não usa mais maquiagem nem deixa o cabelo crescer acima da altura dos ombros.
“Perdi a vaidade”, afirmou a mulher, enquanto mostrava uma foto produzida dela tirada em Campinas. “Eu tinha 27 anos. Usava batom. Namorava e pensava em casar. Não tinha esse cotoco e essa cicatriz feia no cotovelo. Você acredita que às vezes acordo pensando que ainda tenho a mão direita. Eu consigo ter a sensação de mexer os dedos, os nervos estão aqui, mas os dedos não estão.”
O filho André Luiz ajuda a mãe nas atividades domésticas e a incentiva a escrever. “Eu era destra, agora tive de aprender a escrever com a mão esquerda. A letra ainda sai um pouco feia, tremida, mas estou melhorando a caligrafia”, disse a mulher, que torce por uma decisão judicial favorável.
“Eu quero a indenização. Lógico. É o meu direito. Não sei quanto tempo isso vai levar, mas espero que a Justiça seja feita. Só espero que não seja depois de eu morrer porque ainda tenho essa luta contra o câncer. Quero uma prótese mecânica para poder voltar a abraçar meu filho e amarrar meus tênis sozinha novamente. Quero ter um carro adaptado para voltar a trabalhar vendendo roupas como antes. Quero o que tiraram de mim de volta. Quero minha vida pacata e simples.”
A Justiça ainda analisa o pedido da indenização. De acordo com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, “a ação, que deu entrada em 11 de fevereiro deste ano, está em andamento na 4ª Vara da Fazenda Pública da capital". "Não há decisão a respeito do caso.”
O que dizem hospital e governo de SP
Procurado para comentar a ação de indenização que a paciente move contra o Santa Marcelina, o hospital respondeu que “o departamento jurídico também está acompanhando o caso, pois a paciente entrou com uma ação contra o hospital”.
O governo do Estado de São Paulo também foi procurado para falar sobre a ação, mas não respondeu aos questionamentos do G1.
Fonte Jornal Jurid 02 de Junho de 2011 | ISSN 1980-4288

Segundo relatos posteriores, o pedido de danos morais foi julgado procedente para condenar o hospital ao pagamento de apenas R$ 10.000,00 de indenização. De fato, parece que a população tem motivos de sobra para desacreditar do Judiciário!!






INSATISFAÇÃO NACIONAL COM A MOROSIDADE DA JUSTIÇA - REFORMA LEGISLATIVA - POSSÍVEL SOLUÇÃO?

De zero a dez, brasileiro dá nota 4,55 para a Justiça, diz Ipea
Estudo indica que as piores avaliações foram sobre a rapidez, imparcialidade e honestidade
Estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) divulgado nesta terça-feira (31) atribui nota média 4,5, numa escala de zero a dez, para as instituições do Judiciário. O levantamento ouviu 2.722 pessoas de perfis variados em todas as regiões.
O Ipea constatou que a avaliação "negativa" aparece nas diferentes faixas de idade, renda, sexo, escolaridade e região. A intenção do instituto foi verificar a percepção do cidadão sobre a Justiça.
“A relativa fragilidade na imagem pública da Justiça é generalizada na população e tende a ser mais negativa entre os que buscaram ativamente a Justiça para a resolução de conflitos ou a realização de direitos”, afirma o estudo.
Segundo a pesquisa, na média nacional, as piores avaliações dos entrevistados são as dos quesitos rapidez, imparcialidade e honestidade. Numa escala de 0 a 4, o item rapidez teve o pior conceito (1,19), seguido pelos tópicos imparcialidade e honestidade, que receberam 1,18. Essas notas, de acordo com o estudo, correspondem ao conceito “mal”. Em nenhum item a Justiça alcançou o conceito “regular”.
Os entrevistados também avaliaram separadamente instituições e representantes da Justiça, como juízes, policiais, promotores, defensores públicos e advogados.
De acordo com o estudo, a Polícia Civil dos estados e do Distrito Federal recebeu nota 1,81 (numa escala de 0 a 4), a mais baixa entre os avaliados e que pode significar, segundo o Ipea, “desconfiança” da população sobre as investigações.


Para a atuação dos juízes, a nota foi de 2,14 (numa escala de 0 a 4). O melhor conceito foi dado a promotores e à Polícia Federal (2,20).
Para os pesquisadores, esse resultado se deve à divulgação das operações da PF. “Este desempenho tem caráter intuitivo, tendo em vista o alto grau de exposição, geralmente com conotação positiva, de que desfrutaram as operações da Polícia Federal na mídia no passado recente”, afirmam os pesquisadores no levantamento.

Conflitos

A pesquisa também buscou descobrir em que situações o cidadão brasileiro recorre à Justiça.
As respostas mostraram que a probabilidade de se buscar uma saída judicial é maior em casos criminais.
Segundo o Ipea, a possibilidade de se recorrer à Justiça é reduzida quando se trata de negócios entre empresas, cobranças de impostos e demandas sociais, como direitos previdenciários.
A menor probabilidade de se chegar aos tribunais é nas questões de família, consideradas pelos entrevistados as mais importantes numa lista de 13 problemas.
No estudo, os pesquisadores do Ipea afirmam que o objetivo foi apenas verificar percepções e não fazer análises quantitativas, nem qualitativas desses dados.



LINGUAGEM COLOQUIAL X LINGUAGEM CULTA. “Nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”. VOCÊ CONCORDA QUE UM LIVRO DIDÁTICO CLASSIFIQUE COMO CORRETAS TAIS EXPRESSÕES?

Ação coletiva contra livros didáticos irá para a Justiça Federal
“Preservar as diferenças ou perpetuar a desigualdade na educação. A questão é de extrema relevância; muito sensível e delicada”, destacou o magistrado.
O juiz Luiz Roberto Ayoub, da 1ª Vara Empresarial da Capital, determinou a remessa para uma vara da Justiça Federal da ação civil coletiva contra a edição de livros didáticos com erros de gramática. A ação foi proposta pela Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) contra a Global Editora e Distribuidora Ltda. A decisão será publicada amanhã, dia 31.
Segundo o magistrado, a leitura dos autos revela que a edição de diversos livros didáticos pretendeu demonstrar a diversidade da linguagem num país de dimensões continentais, mas lembrou que, antes de ser examinada, é preciso analisar de quem é a competência para decidir, uma vez que a adoção do material decorreu de um ato da União Federal.
“A adoção do livro em questão decorreu de um ato governamental, dentro de uma política pública que pretendeu respeitar a integração da cultura diversificada em nosso país, evitando-se a indesejável discriminação lingüística. Assim é que a União, através do Conselho Nacional de Educação e do Ministério da Educação e Cultura, reconheceu correta a utilização do material impugnado, sendo inquestionável, portanto, seu interesse em participar da relação jurídico-processual”, afirmou o juiz.
Para ele, no entanto, o que é certo ou errado não está em questão, mas sim a adequação do texto à realidade nacional. “Preservar as diferenças ou perpetuar a desigualdade na educação. Qual o caminho a seguir" A questão é de extrema relevância; muito sensível e delicada”, destacou o magistrado.

Processo nº 01507927.2011.8.19.0001

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA VIA TRANSVERSA NA COBRANÇA DE DÉBITOS FISCAIS

É vedado à Administração negar seus serviços como meio de exigir o pagamento de eventuais débitos
Na medida em que o ordenamento jurídico confere ao credor meios próprios para cobrança de seus créditos, mostra-se desarrazoado valer-se de vias transversas e meios coercitivos para compelir a empresa a quitar eventuais débitos fiscais/previdenciários
Fonte | TRF 1ª Região - Quarta Feira, 01 de Junho de 2011
Juíza federal do primeiro grau de jurisdição concedeu segurança para determinar à Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) que se abstenha de exigir certificados de regularidade fiscal e previdenciária como condição para cadastrar os veículos no Certificado de Registro de Fretamento, bem como a concedeu para determinar à Agência que expeça o certificado de registro.
Inconformada, apela a Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT).
O relator do processo, desembargador federal Fagundes de Deus, levou o processo a julgamento na Quinta Turma.
A Turma entendeu que ANTT não pode, em razão da existência de débitos, recusar seus serviços. Isso porque, na medida em que o ordenamento jurídico confere ao credor meios próprios para cobrança de seus créditos, mostra-se desarrazoado valer-se de vias transversas e meios coercitivos para compelir a empresa a quitar eventuais débitos fiscais/previdenciários.
A Turma registrou que a Resolução ANTT 1.166/2005, que ampara o ato em discussão, vai de encontro ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal, já cristalizado nas súmulas 70, 323 e 547, segundo as quais é vedado à Administração obstar o livre exercício de atividade profissional, negando o fornecimento de licenças/autorizações como meio coercitivo para o pagamento de débitos.
Assim sendo, negou provimento ao recurso.

ApReeNec 2009.34.00.009109-3/DF









Palavras-chave | ordenamento; administração; serviços; débito; exigência

quarta-feira, 30 de março de 2011

INTERROGATÓRIO E DEPOIMENTO PESSOAL – DIFERENÇAS RELEVANTES?


Olá amigos blogueiros, não posso deixar de compartilhar com meus caros seguidores uma experiência vivenciada ontem numa audiência de juizado especial cível...ah...esses juizados.....

Era um caso bem simples, uma cobrança lançada em cartão de crédito referente a um serviço não reconhecido pela titular do cartão. Ação de repetição de indébito movida em face da administradora do cartão e da editora responsável pelo lançamento da cobrança.

O advogado da administradora do cartão, após a audiência praticamente encerrada, insistiu no depoimento pessoal da autora para responder a uma única pergunta: “A senhora poderia esclarecer se em algum momento entrou em contato com a editora responsável pela cobrança?” Era somente isso o que o advogado pretendia perguntar. Diga-se de passagem, que a pergunta soava absolutamente irrelevante. A ilicitude na conduta da empresa estava no simples fato de lançar uma cobrança por serviço não solicitado pela consumidora, pouco importando para o deslinde da causa, se depois de verificar a cobrança a autora entrou ou não em contato com a editora.

Não obstante, além da pergunta do advogado, a juíza começou a fazer uma série de outras perguntas à autora, que a despeito de serem desnecessárias, pois se referiam a informações constantes dos autos, contribuíam e muito para corroborar a ilicitude da empresa. Pois bem, no momento de redigir a ata, a juíza informou que iria fazer constar que o advogado da primeira ré havia requerido o depoimento pessoal da autora e em seguida faria constar os termos do depoimento.

O advogado da empresa, muito educadamente, solicitou que a juíza separasse a pergunta que foi feita por ele das perguntas formuladas pelo juízo ao argumento de que o escritório poderia questionar sua atuação no sentido de ter realizado perguntas não pertinentes a defesa da empresa. Indignada, a juíza disse que seria impossível, pois ela poderia fazer qualquer pergunta que julgasse pertinente ao depoimento. Contudo, achei que o advogado da empresa, apesar da falta de técnica até que estava com a razão. Vejamos.

Bem, quanto a formulação das questões, a juíza agiu corretamente. Nos termos do artigo 130 do Código de Processo Civil, o juiz pode ordenar a produção de provas que considere necessárias. Contudo, entre o depoimento requerido pelo advogado da ré e as perguntas realizadas pelo juízo existia uma diferença muito simples, retratavam duas modalidades de prova distintas.

O depoimento pessoal é uma modalidade de prova que precisa ser requerida por uma das partes e seu objetivo é induzir a uma possível confissão. Uma batida de carro, por exemplo, na qual se pretende provar de quem é a culpa, o depoimento pessoal da parte pode ser de grande utilidade para seu ex adverso que pode realizar perguntas acerca dos detalhes do acidente as quais podem levar o depoente a deixar escapar informações, não raro, omitidas pelo advogado elaborador da peça. Pois bem, uma vez cometido o erro, podemos obter uma confissão. Daí a importância do depoimento pessoal em alguns casos e daí também a necessidade de requerimento da parte contrária.

Já o interrogatório, é uma modalidade de prova que pode ser ordenada de ofício pelo juiz em qualquer estado do processo, independe de provocação das partes. Serve para que o juiz esclareça pontos obscuros do caso ouvindo a narrativa diretamente da parte.

A solução para a situação do advogado que se complicaria perante o escritório era muito simples. Bastava que chamasse atenção para diferença das modalidades de prova utilizadas na instrução e solicitasse a redação da ata de modo a constar que em depoimento pessoal a autora fora indagada acerca de determinado fato e em interrogatório determinado pelo juízo respondeu acerca de outros fatos questionados.

No tocante a minha participação como espectadora, quedei-me inerte diante da discussão, afinal, não julguei conveniente me posicionar de modo a favorecer meu ex adverso. Além disso, percebi que o advogado pretendia mesmo era parecer espertinho “Vou perguntar se a autora entrou em contato com a editora e ela responderá que não”. Ora, essa resposta era bem óbvia, pois todo mundo sabe que nesse tipo de situação o consumidor entra em contato com a administradora do cartão. Aliás, se o advogado não tivesse plena certeza da negativa sequer cogitaria perguntar. É...nosso herói foi muito esperto, pena que parece ter esquecido que em Direito esperteza e boa técnica processual caminham lado a lado.



terça-feira, 15 de março de 2011

TRIBUNAL DE EXCEÇÃO X DITADURA - SADDAM HUSSEIM JULGADO POR UM TRIBUNAL DE EXCEÇÃO?

Saudações amigos blogueiros! Primeiramente gostaria de agradecer as contribuições e comentários a respeito da postagem “TRIBUNAL DE EXCEÇÃO X EXECUÇÕES SUMÁRIAS”. A repercussão foi bastante positiva.

Muito bem, nas últimas postagens nós falamos a respeito de ditadura a partir da obra de Graciliano Ramos que em Memórias do Cácere, nos retratou o Brasil de 1936 sob a ditadura do governo Vargas. O artigo teve menos repercussão do que merecia, mas acreditem, se temos visto que é possível aprender Direito a partir da Literatura Clássica, muito mais será, aprender História e não esqueçam que o tema Tribunais de Exceção tem tudo a ver com ditadura.

O que acontece num país em época em de ditadura? O que acontece com os direitos e garantias individuais? No caso do Brasil de 1936, vimos que houve a decretação do Estado de Sítio, no qual certas garantias constitucionais ficam suspensas, o que mesmo assim, não permite ao Estado atentar contra a vida e integridade física dos cidadãos como o foi o caso de nossa ditadura, como, aliás, acaba sendo o caso de qualquer ditadura.

Hoje gostaria de continuar aprofundando esse tema a partir de um comentário muito sagaz postado por um dos seguidores do blog. Vejam, recebi uma mensagem indagando se o julgamento de Saddam Hussein se enquadraria numa hipótese de Tribunal de Exceção. Confesso que eu mesma não lembrava desse caso como exemplo, mas, através de uma pesquisa, ainda que superficial, nós vemos perfeitamente que Saddam Hussein foi julgado por um Tribunal arbitrário. É interessante a questão, parece ironia que o ditador tenha tido o mesmo julgamento duvidoso que durante tantos anos de ditadura impôs ao povo.

Na verdade, o referido ditador foi julgado por um Tribunal Especial Iraquiano pouco após a invasão dos Estados Unidos. Ora, ora, um Tribunal Iraquiano sob o domínio americano teria isenção para julgar Saddam Hussein pelo cometimento de crimes de guerra?
Em primeiro lugar, é preciso atentar para a fragilidade do judiciário iraquiano depois de tantos anos de desmandos e arbitrariedades do governo. Depois, precisamos atentar para o fato de que julgadores iraquianos, dependendo de sua posição favorável ou desfavorável à postura do ditador, provavelmente seriam tendenciosos. E por fim, precisamos considerar ainda o fato de que o julgamento fora encomendado pelos Estados Unidos, cujo objetivo não era outro, senão, legitimar a execução do ditador por motivos inúmeros.
 

A QUESTÃO DO TRIBUNAL DE EXCEÇÃO NO PANORAMA MUNDIAL ATUAL – JULGAMENTO DE SADDAM HUSSEIM X JULGAMENTO DE MUAMAR KADAFI
 


Dêem uma olhada nessa notícia:


O Conselho de Segurança da ONU, presidido pela brasileira Maria Luiza Viotti, decidiu por unanimidade congelar os bens de Muamar Kadafi e de cinco integrantes da família do ditador líbio, assim como impor barreiras à viagens internacionais do ditador, de nove integrantes da família e de seis pessoas próximas ao governo. Foi aprovado ainda um embargo às armas e enquadrar as ações do governo no Tribunal de Haia.

Kadafi e Saddam tem em comum o fato de terem seus governos marcados pela ditadura fortemente opressiva. Haverá alguma semelhança na punição imposta a ambos? Tendo em vista que as notícias a respeito dos atos do governo libanês tem chocado tanto a comunidade internacional, por que não liderar uma invasão no país como ocorreu com o Iraque?? Alguém se faz essas perguntas?


QUESTÃO DE SOBERANIA


A situação dos referidos países (Iraque e Líbia) é bem diferente. O Iraque vivia sob uma ditadura, mas o simples fato de o país viver sob tal regime não justifica a intervenção de nenhum país estrangeiro em respeito ao princípio da soberania, em razão do que, os Estados Unidos precisavam de alguma justificativa que “legitimasse” uma intervenção. De acordo com as diretrizes da ONU a intervenção armada nos países somente se justifica em casos nos quais esteja em risco a segurança e paz mundial, e que melhor justificativa do que a suspeita de produção de armas nucleares?

Hoje, a situação de caos enfrentada pela Líbia se deve a um conflito interno, o que chamamos de guerra civil, grosso modo, quando um grupo de esquerda dentro do próprio país se opõe violentamente ao governo e se inicia uma série de combates armados para o domínio da nação. Uma situação assim descrita, não autoriza a intervenção direta de outros países, contudo, a truculência com a qual Muamar Kadafi vem tratando os opositores a seu governo tem causado tamanha indignação na comunidade internacional, que embora não haja justificativa para uma intervenção armada direta na Líbia, os países tem se reunido para adotar medidas que indiretamente limitem as ações do ditador.

Dentre as sanções impostas a Muamar Kadafi se encontra a determinação do bloqueio de seus bens. Segundo notícias, Muamar é detentor de vasto patrimônio em diversos países, dentre os quais a Espanha, que já declarou a indisponibilidade dos bens do ditador que se encontrem sob território espanhol.
 

TRIBUNAL DE HAIA – A QUESTÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NA PUNIÇÃO DE CRIMES CONTRA A HUMANIDADE
 


A notícia em comento termina com uma informação bastante interessante. O que significa “Enquadrar as ações do governo no Tribunal de Haia”? Muitos talvez não saibam que em 1998 foi criado o Tribunal Penal Internacional, cuja sede se encontra em Haia, na Holanda. Comentamos em outras postagens a respeito do Tribunal de Nuremberg, criado com o objetivo único de julgar os nazistas pelos crimes de guerra e vimos que se caracterizou como verdadeiro Tribunal de Exceção. Comentamos a respeito do julgamento de Saddam Hussein, cuja legalidade foi obviamente duvidosa e agora passamos a comentar o Tribunal Penal Internacional.

A necessidade de conferir alguma espécie de punição aos infratores das normas é um sentimento intrínseco ao ser humano. Quem já não se revoltou ao ouvir histórias de impunidade por um crime cometido na própria cidade, no próprio bairro, na própria família?  Pois bem, tal necessidade de punição não deve se restringir apenas a determinadas hipóteses. É preciso que criminosos com poder muito maior de destruição do que os ladrões, assaltantes, traficantes, como é o caso de governantes, também possam ser punidos.

O Tribunal de Haia vem fazer exatamente esse papel, é a primeira instituição permanente criada por amplo acordo internacional para não deixar impunes os perpetradores de crimes contra a humanidade, como o genocídio, crimes de guerra, agressão, perseguições por motivo de etnia ou religião, dentre outros. Sua competência é limitada a países que ratificaram o Tratado de Roma (documento que deu origem ao Tribunal). Os Estados Unidos, não ratificaram o Tratado. Por que será?? Temeriam os americanos um julgamento por possíveis crimes de guerra?

A Líbia não é signatária do Tratado de Roma, mesmo assim, Muamar Kadafi poderá ser julgado pelo Tribunal de Haia caso a questão seja levada ao Tribunal pelo Conselho de Segurança da ONU. Essa é exatamente a questão retratada na notícia. Uma vez levado o caso ao Tribunal Penal Internacional, os responsáveis pelos excessos cometidos na Líbia já podem imaginar que não será tão fácil se esquivar de pagar pelas atrocidades que vem cometendo.

Quais seriam as leis aplicáveis pelo TPI? Em princípio, o agente deve ser julgado em seu próprio país, ou seja, um genocida brasileiro, por exemplo, deverá ser julgado no Brasil e de acordo com as leis brasileiras. Contudo, quando não houver empenho do Brasil em puni-lo ou quando for impossível tal punição pelo país, poderá ser requisitado o julgamento do criminoso pelo Tribunal Penal Internacional e nesse caso prevalecerão as leis internacionais. É o que chamamos de princípio da complementaridade, ou seja, o indivíduo só é julgado pelo TPI quando seu próprio país não tiver interesse ou não puder puni-lo. O artigo 77 do Tratado de Roma define as penas aplicáveis aos crimes descritos no artigo 5° do mesmo estatuto, dentre as quais, se encontra a prisão perpétua.

Como o TPI é provocado? Pela denúncia de algum dos países membro (lembrando que o TPI, em regra, só julga criminosos oriundos de países membros) ou por denúncia do Conselho de Segurança da ONU, hipótese em que poderá julgar quaisquer criminosos, ainda que não oriundos de países signatários. (Caso da Líbia)

Os acusados tem direito à defesa através de advogados, pois o TPI conta com uma lista de advogados credenciados que podem assisti-los, ressalvando seu direito de apresentar seus próprios patronos.

Pois bem, com base em todas as informações que já temos é possível discutir. As ações do governo da Líbia uma vez levadas ao Tribunal de Haia, não conferirão a seu responsável o mesmo julgamento dispensado a Saddam. Por certo, um Tribunal cuja criação não se deu para o julgamento de um caso específico e que submete seus jurisdicionados a leis preestabelecidas e com amplo direito de defesa, merece ser legitimamente reconhecido, não se assemelha a um Tribunal de Exceção nos moldes do que temos comentado nos últimos dias.


Bom, por hoje, vamos encerrar lembrando que é muito importante acurarmos cada vez mais o senso crítico diante de tudo o que nos é passado e se possível, por que não tentar apreender noções básicas sobre Direito a partir do cotidiano? Antes de tudo, devemos lembrar que senso crítico e a busca por conhecimento pode ser questão também de cidadania.


quinta-feira, 10 de março de 2011

TRIBUNAL DE EXCEÇÃO X EXECUÇÃO SUMÁRIA

Semana passada, mais especificamente em 09/03/11 uma notícia trivial na televisão me chamou atenção. Um policial civil foi morto por outros policiais em Salvador. Existem rumores de que o policial estaria extorquindo alguém... Não prestei muita atenção. A truculência e corrupção da polícia não chegam a ser exatamente notícia, fazem parte do nosso cotidiano. Mas, uma coisa me chamou atenção, não lembro muito bem, mas acho que o presidente do sindicato dos policiais civis ao ser entrevistado manifestou sua indignação quanto ao crime proferindo palavras mais ou menos assim:

“Isso é um absurdo, se o policial estava envolvido em corrupção, isso se investiga, isso se pune, não é assim que se resolve, não é assim, pegar a pessoa desprevenida ao volante...”

Interessante, essas palavras foram proferidas com tanta ênfase, que parei para prestar atenção à notícia. Pensei que embora aparentemente trivial, esse fato bem que pode servir de tema a discussão. O policial morto foi vítima de um verdadeiro tribunal de exceção. Sim, aquele tribunal de exceção que aparece lá no inciso XXXVII do art. 5° da CRFB/88 e no qual ouvimos falar já no primeiro período do curso de Direito.

Confesso que demorei muito a compreender o que caracterizaria esse tribunal. Nos livros de Direito, encontramos o clássico exemplo do Tribunal de Nuremberg, aquele criado para julgar os nazistas por crimes de guerra. Foi um tribunal internacional criado em 1945 por britânicos, franceses, americanos e soviéticos, especificamente para julgar os nazistas. Muito embora seja inegável o cometimento de atrocidades durante o nazismo é certo que o julgamento contou com certa de dose de vingança.

Pois bem, admitindo-se o Tribunal de Nuremberg como exemplo de tribunal de exceção podemos tirar duas conclusões: O tribunal de exceção é aquele criado para julgamento de um caso específico e se submete a regras criadas após o cometimento do crime. Tal forma de “justiça” não é admitida no Direito Brasileiro exatamente em razão das referidas conclusões. No Brasil, assim como na maioria dos países, o infrator precisa ser julgado por um tribunal já existente por ocasião do crime, precisa ser julgado e condenado de acordo com leis preexistentes a sua infração. Isso é importante? É fundamental. Um tribunal criado com a finalidade de julgar um caso específico provavelmente será bastante parcial, abrindo a possibilidade de que arbitrariedades aconteçam. Ora, se a “lei” foi criada para um crime específico depois que ele foi cometido, tal crime será passível de qualquer pena, afinal, não se sujeita a regras preestabelecidas.

Nos dias atuais um exemplo interessante de tribunal de exceção pode ser encontrado nas favelas. O julgamento feito pelos traficantes que punem moradores ou dissidentes com torturas e mortes é realizado através de um tribunal de exceção.

O policial baiano não foi morto numa favela e o autor de sua execução também não foi um traficante de drogas, mas é certo que esse policial foi julgado e sentenciado sem qualquer direito de defesa. Foi julgado e sentenciado por um tribunal de exceção. Infelizmente, notícias como essa, são tão comuns em nosso cotidiano, que não paramos para analisar os fatos sob um ponto de vista crítico. Não sei por que razão, tal notícia corriqueira foi capaz de causar tamanha comoção, ou melhor, talvez o mais surpreendente disso tudo seja o fato de que notícias de execuções sumárias nos soem tão corriqueiras.

sexta-feira, 4 de março de 2011

MEMÓRIAS DO CÁRCERE - RETRATO DO BRASIL NA DITADURA

Olá amigos blogueiros, vamos falar de direitos e garantias individuais para variar um pouquinho? Há alguns anos li dois volumes do livro Memórias do Cárcere de Graciliano Ramos e somente hoje percebi o quão contributiva foi a sua leitura, talvez os leitores não se lembrem de Graciliano por tal obra, mas certamente o lembrarão por Vidas Secas, um de seus trabalhos mais conclamados. Romances à parte, muitos irão concordar que a própria vida de Graciliano Ramos já renderia matéria para uma obra e tanto. Espera aí. Renderia? Existe um problema na conjugação do verbo. Parte da Vida de Graciliano, de fato, rendeu uma obra riquíssima historicamente, cujo título não poderia ser mais apropriado ao conteúdo. Pois bem, vamos à Memórias do Cárcere.

Para quem se interessa por história do Brasil recomendo como leitura obrigatória. Nessa obra não teremos a figura do protagonista fictício que enfrenta percalços ao longo de uma história cujo final quase sempre é feliz. Pelo contrário, o herói da nossa história é um personagem da vida real e os fatos relatados, embora, em alguns pontos, pareçam retirados de um filme de terror, caracterizam a realidade vivenciada por nosso protagonista por quase dois anos.

A história se passa em 1936, início do período da ditadura de Getúlio Vargas, ano em que Graciliano Ramos, acusado de comunista, foi simplesmente retirado de sua casa em Alagoas e mantido preso, passando por diversas carceragens, dentre elas a temida Colônia Correcional no Rio de Janeiro. (Ilha Grande).

O interessante é que na época em que houve a prisão, Graciliano não era comunista, seu único ato de comunismo teria sido a edição do romance São Bernardo, no qual fazia denúncias sociais. O protagonista do livro era um proprietário de terras que vivia de desmandos e impunidade. Certamente, alguém que não se mostra simpático a desmandos  consistia em grave ameaça política a Getúlio Vargas.

Após avaliar as desventuras de Graciliano Ramos, brilhantemente narradas em Memórias do Cárcere, que proporciona ao leitor a sensação de presenciar as cenas descritas, me perguntei: O que teria acontecido com nossas garantias constitucionais na época da ditadura?

Por certo, os jovens advogados, que aprendem premissas segundo as quais a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém será preso, senão em flagrante delito ou mediante ordem judicial, nem será processado ou sentenciado sem que haja o devido processo legal, dentre tantas outras garantias individuais, terão dificuldade em compreender como foi possível a realização de tantas atrocidades no período de ditadura no país.

A primeira resposta a essa reflexão não é difícil de imaginar, muitos pensarão: Ora, as atrocidades foram possíveis porque as garantias constitucionais foram suspensas, é óbvio. Ok, eu respondo, as garantias constitucionais foram suspensas, mas será a questão tão simples assim? Em 1936, o país contava com a Constituição de 1934, que trazia importantes garantias aos cidadãos. Segue abaixo colacionado as garantias expressas no artigo 113 da referida Carta:


 Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

        1) Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas.
        2) Ninguém será obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.
(...)
        4) Por motivo de convicções filosófica, políticas ou religiosas, ninguém será privado de qualquer dos seus direitos, salvo o caso do art. 111, letra b.
         5) É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costume. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil.
(...)
               8) É inviolável o sigilo da correspondência.
        9) Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento, sem dependência de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido anonimato. É segurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda, de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou social.
21) Ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal, e promoverá, sempre que de direito, a responsabilidade da autoridade coatora.

23) Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões, disciplinares não cabe o habeas, corpus .
        24) A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os meios e recursos essenciais a esta.



Conforme se pode observar a Carta Magna de 1934 trazia importantes garantias, como a liberdade de pensamento, proibição a prisão por motivo de convicção filosófica, o devido processo legal, dentre outras. Não teria o leitor curiosidade de avaliar o que levou a situação caótica do país culminando com a suspensão de tais garantias? O que teria acontecido com a legislação pátria para que fossem permitidas prisões tão arbitrárias quanto a de Graciliano Ramos?

Através de uma pesquisa superficial somos remetidos a alguns acontecimentos históricos. Sabemos que Getúlio Vargas assumiu o poder em 1930, derrubando o governo de Washington Luis através (República Velha) de um golpe de Estado. Pois bem, sob o comando de Vargas o país teve a promulgação da Constituição de 1934, cuja vigência foi bem curta, três anos após, já teríamos a Constituição de 1936.

O mundo vivia um período de grande agitação social sob forte influência do conhecido nazifascismo, nazismo na Alemanha representado por Hitler e fascismo na Itália representado por Mussolini. Tais governos ditatoriais propagavam a centralização do poder estatal e eram muito simpáticos a Getúlio Vargas. Por outro lado, o fortalecimento da União Soviética proporcionava o aumento do movimento comunista no Brasil.
O comunismo é definido como uma ideologia (propostas sociais, políticas e econômicas) que visa a criação de uma sociedade sem classes sociais. Pois bem, sob a justificativa de impedir um complô comunista que ameaçava dominar o país, em meados de 1935, Getúlio Vargas decreta o Brasil em Estado de Sítio.

Agora sim, nós advogados, estudantes ou simpatizantes do Direito, recorremos aos nossos conhecimentos prévios em Direito Constitucional, o que significa mesmo Estado de Sítio? É um instrumento que o Chefe de Estado dispõe em casos extremos tais como grave ameaça à ordem constitucional democrática, ameaça de invasão estrangeira ou calamidade pública para garantir a ordem. É uma circunstância provisória na qual ocorre a suspensão dos direitos e garantias constitucionais dos cidadãos e submete o Poder Legislativo e Judiciário ao Poder Executivo.

Quando um país se encontra em Estado de Sítio admite-se que o Governo tenha atitudes que venham a ferir a liberdade dos cidadãos, tais como a restrição à reunião de pessoas, censura, dentre outras, sendo certo que tal circunstância não permite que o Estado ofenda a vida, integridade física, capacidade civil e cidadania. Até hoje é possível encontrarmos processos nos tribunais movidos por perseguidos políticos ou seus sucessores em razão de abusos cometidos na ditadura, principalmente no período de 1964 a 1985.

Eis que, foi nesse contexto de crise que se instalou a primeira fase da ditadura no Brasil, época que Graciliano Ramos foi preso nos proporcionando através de Memórias do Cárcere uma descrição fidedigna das torturas e humilhações aos quais os presos políticos foram submetidos. A narrativa é interessante em diversos pontos sendo um dos mais chocantes, a meu ver, o da prisão, não porque Graciliano tenha sido agredido fisicamente ou coisa do gênero, mas porque para nós, acostumados a ideia de Estado Democrático de Direito, nos soa monstruosa a notícia de uma prisão como esta.


“...Afinal, cerca de sete horas, um automóvel deslizou na areia, deteve-se à porta – e um oficial do exército, espigado, escuro, cafuzo ou mulato, entrou na sala.

- Que demora tenente! Desde o meio-dia estou á sua espera.

(...) – Vai apenas essa maleta? Aqui entre nós posso dizer, acho bom levar mais roupa. É um conselho.

- Obrigado tenente.

Comecei a perceber que as minhas prerrogativas bestas de pequeno-burguês iam cessar, ou tinham cessado. Retirei da mesa três livros chegados na véspera, pelo correio. Despedi-me. D. Irene se espantava, talvez sem compreender bem a significação exata daquilo. Meus filhos mais velhos, agitados e pálidos, fingiam calma. Beijei as crianças, sossegadas. Procurei na cara de minha mulher um sinal de medo. Em vão: nem dessa vez nem de outras lhe percebi nenhum receio. Nos momentos mais difíceis sempre a vi corajosa, e isto a diferençava dos parentes, em geral pusilânimes. Depois do conflito da manhã serenara, assistira calada aos preparativos, sem acreditar talvez na realização da ameaça. Diante da cabriola e do sorriso do mulato pareceu despertar, mas não revelou susto. Uma pergunta me verrumava o espírito: porque vinha prender-me o sujeito que um mês antes me fora amolar com insistências desarrazoadas?.

- Quando quiser tenente.

Saímos da sala e entramos no automóvel, um grande carro oficial.



No decorrer da narrativa, Graciliano prossegue com suas impressões pessoais a respeito do papel do Judiciário em meio a ditadura.


(...) A um canto o advogado Nunes Leite se encolhia, isento de pensar...um pobre vivente cheio de pavor. Ouvira falar de certo em fuzilamento (...).
Tive pena. Porque martirizavam aquele homem, santo Deus?.
(...) O advogado Nunes Leite impetrava hábeas corpus a favor de alguns presos políticos. Vistas as razões, etc., o juiz lançara no requerimento uma penada benigna. (...) e Nunes Leite, embrulhado necessitava hábeas-corpus. Recurso inútil, evidentemente: agora a toga não se arriscaria, considerando isto ou aquilo, a assinar um mandado de soltura. Seria irrisória pretender ela mandar qualquer coisa, mas essa reviravolta desorientava uma alma serena, habituada à petição, à audiência e ao despacho. Certo as ordens

sempre tinham sido aparentes: a judicatura servia de espantalho, e na farda havia muque bastante para desobediência. (...)
(...) Propriamente já não havia direito. A lei fora transgredida, a lei velha e sonolenta, imóvel carrancismo exposto em duros volumes redigidos em língua morta. Em substituição a isso, impunha-se uma lei verbal e móvel, indiferente aos textos, caprichosa, sujeita a erros, interesses e paixões. E depois? Que viria depois? O caos, provavelmente. Se os defensores da ordem a violavam, que devíamos esperar? Confusão e ruína. Desejando atacar a revolução, na verdade trabalhavam por ela era por isso talvez que o bacharel Nunes Leite chorava.



A lei verdadeiramente deixou de existir, o que imperava eram desmandos do governante, não é difícil imaginar a desilusão dos advogados da época. Graciliano Ramos não compreendia o motivo de sua prisão, se comportando, contudo, com surpreendente resignação perante os fatos presenciados. Foi solto cerca de dois anos depois, segundo relatos, graças  à pressão política exercida por outros escritores como José Lins do Rego, Jorge Amado e Raquel de Queiroz, e também por causa do prêmio Lima Barreto que recebeu da conceituada Revista Acadêmica, que lhe dedicou uma edição especial com treze artigos e retratos de Portinari e Adami.

Getúlio Vargas seria deposto em 1945 através de um golpe de Estado e exilado em sua cidade natal. Retornaria à presidência, contudo, em 1951 pelo voto popular, período em que governou democraticamente criando grandes empresas estatais como a Petrobrás e Eletrobrás. As medidas de Vargas, considerado nessa época o “o pai dos pobres” não foram bem aceitas pelas elites, levando as forças oposicionistas a exigirem sua renúncia. Desgostoso, Getúlio Vargas suicidou-se em 24 de agosto de 1954. O país viveria novamente longos anos de ditadura no período compreendido entre 1964 e 1985.

 Hoje, na Constituição de 1988, contamos com o artigo 139 que limita expressamente o poder do Executivo na vigência do Estado de Sítio. Contamos com o artigo 60, § 4º da CF que não admite a proposta de emendas constitucionais tendentes a abolir direitos e garantias individuais, o voto secreto universal e periódico e a separação dos poderes, importante cláusula pétrea. Contudo, é surpreendente como igualmente, hoje, ainda ouvimos quem pondere as vantagens da ditadura, dentre as quais, se encontra a maior sensação de segurança, sentida pelos não opositores do governo.

Após fazer uma análise do que a história nos conta sobre como se desenrolaram os fatos na ditadura é impossível não considerar que Liberdade x Segurança é uma barganha deveras perigosa. Engraçado, isso me lembra o moral de um outro livro muito interessante, chama-se A Revolução dos Bichos e sua mensagem é exatamente essa: Quem abre mão da liberdade em troca de segurança, acaba não tendo nem uma nem outra. Ah, mas essa já é outra história...