terça-feira, 1 de março de 2011

SENTENÇA É REALMENTE QUESTÃO DE SENTIMENTO

Vejam, hoje vou fazer uma pausa nas nossas discussões literárias e vou dividir com meus amigos leitores um pensamento recorrente. Ano passado um amigo fez uma pesquisa sobre Direito Alternativo e comentou comigo que sentença significa sentimento, sentença, nada mais seria do que o sentimento do juiz a respeito dos fatos. Hoje eu mesma decidi pesquisar isso, e confirmei o que ouvi de meu amigo sem dar muita importância há tempo atrás. Sentença de fato deriva do latim “sententia” que significa sentimento de “sentire”. Isso é bastante interessante.

O motivo dessas divagações é muito simples, quanto mais eu atuo como advogada, mais me convenço de que sentença é exatamente isso. Quem tiver interesse em ler uma das postagens desse blog intitulada “TUTELA ANTECIPADA É QUESTÃO TAMBÉM DE SENSIBILIDADE” vai compreender perfeitamente o que estou sentindo.

Porém, um pouco em respeito ao leitor mais afoito que talvez não tenha paciência, vontade ou interesse em recorrer a postagem mais antiga e um pouco por vontade minha de dividir parte de minhas experiências com o leitor, ou pelos dois motivos juntos, vou relatar outros casos que me fizeram chegar a conclusão de que sentença é antes de tudo, sentimento. Com efeito, primeiro o magistrado sente de quem é o direito e depois fundamento seu sentimento na lei. Alguém duvida?

Com certeza, sempre alguém duvida, mas essa semana fiz uma audiência no XXVI JEC de Campo Grande, Rio de Janeiro que demonstrou claramente isso. O caso era aparentemente simples, daqueles nos quais nós temos 50% de chances de ganhar e 50% de perder. Mesmo assim, são casos aparentemente simples que mais nos ensinam e nos preparam para atuação profissional.

Meu cliente comprou uma van 0KM e após alguns meses de uso uma série de defeitos começaram a aparecer, a situação se agravou de tal forma que no mês de junho do ano passado o veículo chegou a ficar parado numa oficina a espera de peças por cerca de 25 dias.Ora, quem compra esse tipo de veículo tem por objetivo trabalhar fazendo transporte alternativo de passageiros, logo, o veículo parado, significa perda de dinheiro. Como era de se esperar, a impossibilidade de utilização regular do veículo, acabou por impossibilitar o pagamento das prestações (o veículo foi financiado pelo banco PANAMERICANO), obrigando meu cliente a devolvê-lo amigavelmente ao banco.

Pois bem, após a devolução, o cliente ex-aluno, me procurou apresentando uma série de ordens de serviço que descreviam perfeitamente os consertos e as peças trocadas, e o mais interessante: praticamente todas as peças foram cobertas pela garantia do fabricante.

De imediato, ao analisar tais documentos, percebi que a própria natureza dos defeitos evidencia que o veículo apresentava vícios redibitórios. Contudo, numa das notas constava a informação de que o veículo sofrera uma batida, e justamente a nota que comprova a paralisação do carro por 25 dias estava rasurada justamente no campo da data de entrada e saída. Infelizmente, as referidas notas eram tudo o que dispúnhamos para comprovação das alegações do autor.


Analisados os riscos, optamos por fazer uma ação indenizatória pleiteando lucros cessantes relativos às diárias que o autor deixou de ganhar nos períodos em que o veículo permaneceu na oficina, bem como o indiscutível dano moral sofrido, com a impossibilidade de trabalhar e devolução do carro ao banco por falta de pagamento.

Em princípio, dirigimos nossa ação a uma das varas cíveis, cujo juízo, considerou não ser merecedor da GRATUIDADE DE JUSTIÇA, alguém que dispunha de cerca de R$ 2.000,00 para pagar em prestação de carro. Certamente, o magistrado desconsiderou completamente os fatos narrados quanto a impossibilidade de pagamento e devolução do veículo ao banco. Normal.

Desgostosos, desistimos do processo e recorremos ao Juizado Especial Cível, já muito desanimados com a provável sentença de um juiz leigo, que por certo consideraria que o autor não comprovou de forma contundente a existência de vícios redibitórios, alegaria ainda que num dos documentos constava a informação de que o veículo sofrera uma batida, o que poderia ter ocasionado os problemas, sem considerar que a própria batida poderia ser decorrente do defeito do veículo, enfim...essas sentenças completamente equivocadas que nós vemos por aí nos juizados, em especial na zona oeste.

Entretanto, para nossa surpresa, a audiência de instrução e julgamento foi realizada por um juiz togado, que colheu o depoimento pessoal do autor, avaliou a documentação acostada, permitiu que os advogados se manifestassem e na mesma hora proferiu uma sentença, considerada perfeitamente justa para meu cliente e para mim. De fato, o próprio fabricante em sua contestação preocupou-se tanto em alegar a necessidade de perícia, inépcia da inicial, etc., que acabou por não contestar em nenhum momento a existência ou não dos alegados vícios.

Não sei se estou certa, não tenho a pretensão de ser dona da verdade, mas tenho convicção de que no momento da audiência, o magistrado teve muito mais condições de logo após ouvir as partes e analisar as provas, proferir uma sentença justa, do que se tivesse deixado para proferi-la semanas ou meses após, quando estaria analisando a vida de pessoas como se fossem simples papéis.Voltei ao escritório com a nítida sensação de que sentença é realmente questão de sentimento.

5 comentários:

  1. Só para esclarecer, o amigo que informou sobre o significado da palavra "sentença" fui eu, humilde operador de direito e professor. Eis que a diferença sempre será essa - convencimento do juiz. Se o teatro for bem feito e combinado, as chances serão melhores do que a mediocridade que impera pelos tribunais...

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  2. E da-lhe Juliana! Mais uma vez deixando os leigos interessados no Direito.

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  3. OLÁ JULIANA.

    SOU SEU MAIS NOVO SEGUIDOR.

    VOCÊ QUE JÁ FOI ATÉ MÚSICA DE FESTIVAL DA CANÇÃO NO BRASIL, NÃO IRÁ SE ACANHAR EM SE APRESENTAR E PERMITIR-SE ACEITAR ESTE MEU CONVITE, SEM ANTES DESEJAR-LHE MEUS PARABÉNS POR MORAR NESTA MAIS FELIZ E ACOLHEDORA CIDADE DO MUNDO.

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  4. Querida Julia, versando a lide acerca de ilícito contratual, restou evidente a repercussão negativa no patrimônio imaterial da consumidora. Logo, se a recusa se revela injusta, de sorte a causar repercussão negativa no universo psíquico da ofendida, trazendo-lhe frustrações e padecimentos, induvidosos o dever indenizatório, ante a presença dos elementos essenciais da etiologia da responsabilidade civil.

    Conforme sua descrição no blog, seus argumentos restou claro que a relação jurídica existente entre as partes litigantes, eram tipicamente de consumo, atraindo, assim, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à lide.

    A doutrina pátria mais moderna, influenciada pelas noções de garantia da qualidade, oriundas do direito comparado, está denominando "Teoria da Qualidade" o fundamento único que o sistema do Código de Defesa do Consumidor instituiu para a responsabilidade contratual ou extracontratual dos fabricantes e fornecedores, de modo que aos mesmos, no mercado de consumo, a lei impõe um dever de qualidade dos produtos e serviços prestados, sendo que, descumpridos esses deveres, certamente surgirá o ônus de suportá-los, visto como a obrigação de reparar os danos causados pelos "vícios por inadequação" dos produtos expostos no comércio.

    A propósito da teoria da qualidade, confira-se a lição de Cláudia Lima Marques:

    "O método escolhido pelo sistema do CDC foi positivar um novo dever legal para o fornecedor, um dever anexo, um dever de qualidade, como ensina Benjamin (Comentários, p. 39). Se a teoria da qualidade se concentra no objeto da prestação contratual (produto ou serviço) é porque visualiza o resultado da atividade dos fornecedores de modo a imputar-lhes objetivamente o dever de qualidade dos produtos que ajudam a colocar no mercado. Mas seu fim é o mesmo de todas as normas do CDC, a proteção do consumidor, assegurando seu ressarcimento, evitando novos danos, melhorando a qualidade de vida, trazendo maior harmonia e segurança às relações de consumo." (MARQUES, Cláudia Lima. BENJAMIN, Antônio Herman V., MIRAGEM, Bruno, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Ed. RT, São Paulo, 2004, p. 287).

    Não há como se olvidar que a frustração de não ter obtido êxito nas Varas Cíveis da Regional, motivou você para que o obtivesse mais à frente nos nossos “ JEC’s” (ótimas lembranças) aos quais, fui estagiário da DP- Campo Grande (J.E.C. XVIII e o J.E.C. XXVI) Rsss..Vale lembrar para o primeiro caso na Vara Cível creio que embora
    a conclusão tenha sido totalmente desfavorável para Vc e o cliente, nas minha observações, afirmo que, o Juiz ao analisar os autos, estivesse analisando-os com "muita subjetividade" as peças, deixando-se de observar alguns princípios que todos nós conhecemos..Ora, sabe-se que: “(...) na falta de regras jurídicas particulares, poderá aplicar as regras de experiência comum administradas pela observação do que ordinariamente acontece, como expressamente autoriza o art. 335 do CPC" (aut. ref., "A Reparação do Dano Moral no Direito Brasileiro", 5ª ed, E. V. Editores Ltda., Campinas, 1997, p. 309-310 - sem grifos no original).”

    Compartilho, valorizo a sua ousadia, sentimento e persistência.. C/C a dignidade que lhe é outorgada da Profissão, para a resolução do litígio com o merecido ganho de causa!

    Admiração sem fim!..
    Alexandrino.

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